Entenda as 6 linhas de investigação do estudo que usa ‘máquina do tempo’ para desvendar futuro da Amazônia


Previsto para começar a operar em maio de 2025, AmazonFACE reúne pesquisadores de diferentes países. Objetivo é avaliar impacto do aumento de CO₂ na atmosfera projetado para 2060. Entenda como cientistas da Unicamp e do Inpa querem abrir ‘janela’ para 2060 na Amazônia
Do solo à seiva, o experimento científico que busca abrir um “portal” para 2060 na Amazônia e entender os efeitos das mudanças climáticas nos próximos anos vai esmiuçar as respostas de seis “partes” da floresta ao aumento de CO₂ na atmosfera. Conheça, abaixo, as linhas de pesquisa.
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🤔 O que é o experimento? O projeto AmazonFACE (acrônimo para free air CO₂ enrichment, em inglês, ou enriquecimento de CO₂ ao ar livre) é conduzido por pesquisadores da Unicamp, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o governo britânico e deve começar em maio de 2025.
O objetivo é avaliar como a floresta vai reagir ao aumento de 50% na concentração de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera esperado para os próximos 35 anos. Para isso, durante uma década, os pesquisadores vão aumentar artificialmente a concentração de CO₂ em uma área delimitada.
A maior parte do sumidouro do carbono terrestre está nos trópicos, principalmente em florestas tropicais, e até hoje nunca tivemos nenhum experimento dessa natureza que trabalhasse com ecologia do aumento do carbono na atmosfera em nenhuma floresta tropical.
➡️ Em linhas gerais, a estrutura foi montada para analisar seis componentes:
os fluxos e armazenamento de carbono;
a ciclagem dos nutrientes;
o fluxo de umidade da floresta para a atmosfera;
a resposta de animais e plantas;
as populações da região Amazônica e do mundo;
e modelos computacionais para formulação de hipóteses e projeções.
🌳 Essa é a segunda das três reportagens publicadas pelo g1 nesta semana sobre o programa AmazonFACE. Na primeira, os pesquisadores detalharam a estrutura e as principais perguntas a serem respondidas pelo experimento inédito. Leia mais aqui.
Torres do experimento AmazonFACE, em meio à Amazônia, para entender efeitos das mudanças climáticas
Audiovisual G20
Carbono
Considerada a principal área de interesse dos cientistas, a investigação sobre o comportamento do carbono na floresta acompanhará a presença dele em diferentes partes da vegetação, na serrapilheira (camada formada por folhas, galhos e outros detritos) e no solo.
Esse elemento é central para responder uma das grandes questões do experimento: como o aumento de dióxido de carbono na atmosfera afetará a fotossíntese e, por consequência, a capacidade de resiliência das árvores?
“Para onde vai esse carbono? O que o mundo desejaria é que esse carbono fosse para os troncos das árvores e ajudasse a gente a controlar a mudança climática. Mas pode ser que não fique ali. Pode ser que o carbono seja incorporado na fotossíntese e prontamente respirado, liberado de volta para a atmosfera”, explica David M. Lapola, que também coordena o experimento.
Imagem feita por câmera instalada para estudo do ciclo de vida das árvores
Reprodução/Instagram
Nutrientes
A segunda área de pesquisa tem como foco os nutrientes presentes dentro dos anéis construídos para o experimento, especialmente nitrogênio e fósforo. O segundo é particularmente importante porque pode limitar a resposta da floresta ao aumento de CO₂ na atmosfera.
“Os solos na nossa área do experimento, assim como em 60% da Amazônia, são pobres em fósforo, esse nutriente fundamental para construir membrana celular, material genético, molécula energética, ATP. Se você não tiver fósforo no solo, pode colocar quanto gás carbônico quiser, que não vai resultar em nada em termos de crescimento para a árvore”, explica Lapola.
Experimento vai avaliar como maior floresta tropical do mundo vai reagir ao aumento de concentração de dióxido de carbono na atmosfera
João M. Rosa/AmazonFACE
Água
Na Amazônia, onde a transpiração das árvores é responsável por grande parte da chuva, a água é um dos elementos centrais não só do experimento, mas também do ciclo hídrico da região.
Isso porque, de acordo com Lapola, a umidade que vem da floresta é essencial para a Bacia do Prata, que inclui o Sudeste do Brasil e países vizinhos.
No entanto, há a possibilidade de que o aumento de CO₂ na atmosfera reduza a transpiração das plantas, diminuindo, consequentemente, a liberação de umidade para o ar.
“Se você olhar para a copa inteira de uma árvore ou o conjunto de árvores da Amazônia, isso é muita água que vai deixar de entrar para a atmosfera. Isso tem uma consequência para a região em termos de formação de chuva e para regiões vizinhas também aqui do continente”, complementa.
Respiração dos troncos é medida por meio de anéis instalados nas árvores
Reprodução/Instagram
Biodiversidade
O pioneirismo do experimento também se reflete na biodiversidade analisada nesses dez anos. Enquanto iniciativas similares feitas no Reino Unido e na Austrália acompanharam basicamente uma espécie de árvore, a área de pesquisa na Amazônia soma mais de 400.
“Somando no total, a gente tem mais de 400 espécies ali dentro. Então para nós é uma oportunidade pela primeira vez de entender como a biodiversidade modula essa resposta a um fator tão importante, um fator-chave, que é o gás carbônico para a floresta”, diz Lapola.
Os pesquisadores trabalham com a hipótese de que algumas espécies de árvores terão uma resposta mais favorável ao aumento de CO₂ do que outras. Existe ainda a possibilidade de que essas mudanças resultem em uma transição para um cenário de savanização.
“As previsões dos modelos de sistema global sugerem que vai ter metade da precipitação, então uma diminuição forte de chuvas, e um aumento de temperatura que pode ser da ordem de 2 a 4, 5 graus. Se a gente pensar num ecossistema assim, muito mais quente e seco, é fácil de imaginar que a vegetação não vai ser a mesma”, afirma Carlos Alberto Quesada.
Experimento AmazonFACE é realizado a cerca de 80 km de Manaus, em meio à floresta Amazônica
Dado Galdieri
Socioambiental
David Lapola descreve o componente socioeconômico do experimento como fundamental para entender o impacto das mudanças ambientais, já que as mudanças climáticas podem alterar os serviços que a floresta oferece, impactando não só as populações da região, mas de todo o mundo.
“Se a gente vai para um cenário desse, do tipping point, desse ponto de inflexão, a gente tem 30 milhões de pessoas vivendo ali. Por mais que as pessoas na cidade, em Manaus ou em outros lugares, pensem que não dependem da floresta, mas elas dependem também”, pontua.
🔎 Pontos de inflexão são cenários irreversíveis e com consequências drásticas para o nosso planeta. No caso da Amazônia, o biólogo Mairon Bastos Lima, que estuda o tema há décadas, ressalta que não sabemos ao certo onde está esse limiar, justamente por causa das mudanças climáticas.
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Segundo os pesquisadores, aproximadamente metade das 400 espécies de árvores identificadas nas áreas de pesquisa do AmazonFACE são usadas por seres humanos.
“Esse programa é talhado desde o princípio para a formação de políticas públicas. A ideia do programa é atacar as incertezas e daí entender a incerteza científica e fazer esse passo para transformar a sociedade, de certa maneira, através de respostas científicas e políticas públicas baseadas em ciência”, complementa Carlos Alberto Quesada.
Modelagem
A modelagem, segundo os cientistas, é fundamental para melhorar as projeções do experimento, permitindo aplicar os resultados de um espaço pequeno à Amazônia e outras florestas tropicais.
Esses modelos ecossistêmicos, como são chamados os algoritmos que preveem a interação entre os organismos e o meio ambiente, ajudam a definir o que medir em campo e a aumentar a precisão das projeções.
“A modelagem é talvez a razão do porquê tudo isso começou. […] Os modelos nos informam o que exatamente a gente precisa medir em campo, e aí a gente retorna esses resultados para os modelos e melhora a confiabilidade das projeções deles”, afirma.
AmazonFACE
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
Investimento milionário
Em 2014, o AmazonFACE se tornou um programa oficial do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), sob a execução do Inpa. Desde então, o governo brasileiro investiu R$ 32 milhões na iniciativa, enquanto o Reino Unido liberou o aporte de 7,3 milhões de libras (R$ 45 milhões).
Um artigo publicado pela equipe AmazonFACE em 2018 estimou que, caso a floresta entre em colapso ou atinja o ponto de inflexão, o dano socioeconômico ao longo de um período de 30 anos após esse momento crítico pode ficar entre U$ 957 bilhões e U$ 3,5 trilhões.
O experimento reúne aproximadamente 130 pessoas, incluindo pesquisadores, estudantes e cientistas sociais de cerca de 40 instituições.
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